Urbanismo e sustentabilidade “a partir do Sul”: conhecimento endógeno e descolonização dos estudos urbanos em Africa

Silvia Amaral

A disciplina dos estudos urbanos surgiu de processos de urbanização observados na Europa e na América do Norte no século XIX, que se tornaram paradigmas de “desenvolvimento” e “modernidade”, com a racionalidade, a eficiência, a sustentabilidade e a digitalização como condições de “sucesso” urbano para comparar “o resto do mundo”. Esta mundivisão eurocêntrica, assente na diferença e hierarquização, recusa as características intrínsecas e modernidades alternativas das “outras cidades” como válidas para a ciência urbana. No entanto, a urbanização euro-americana foi gradual ao longo de séculos até acelerar na Revolução Industrial. Em contrapartida, a “revolução urbana” em Africa é recente, rápida e contextual a lutas emancipatórias, instabilidades pós-coloniais e globalização neoliberal. A importação de ferramentas analíticas para contextos históricos tão diversos produziu repertórios unidimensionais de “favelização”, pobreza, violência e caos para as cidades africanas, impedindo a geração de conhecimento útil sobre elas.
Urbanistas contemporâneos criticam este cânone em estudos empiricamente fundamentados nos processos urbanos globais para abranger múltiplas realidades, recusando conceitos imperialistas de “cidades falhadas” e segregações epistémicas entre “metrópoles” e “periferias”. Um exemplo é o construto Southern Urbanism: teoria e experimentação metodológica interdisciplinares fundamentadas na rápida urbanização em África e na Ásia, para produzir conhecimento útil por meio de ferramentas participativas e propostas endógenas. Outros construtos decoloniais como Indigenous Knowledge e Relational Research conectam a produção do conhecimento à história e cultura locais contra a “objetividade neutra” da ciência positivista eurocêntrica.
Nesta linha, o conceito globalmente aceite de “desenvolvimento sustentável”, proposto pela Comissão Bruntland, é questionado na sua capacidade de abranger as variadas dinâmicas económicas, sociais e ambientais do mundo no geral, e das sociedades africanas em particular. Assim, nesta comunicação pretende-se discutir estas propostas teóricas de descolonização dos estudos urbanos e da sustentabilidade aplicada às cidades africanas.