A torna viagem dos objectos: da Europa à África, os marfins nos seus contextos de produção e uso, séculos XV-XVIII

José da Silva Horta

A arte africana em marfim conhecida na Europa a partir da sua circulação no Mundo Atlântico, a partir do século XV, foi muito apreciada por aqueles que a consumiram em resultado de encomendas ou de ofertas diplomáticas. Em Lisboa, colheres e saleiros sapi (de entre as actuais regiões do sul da Guiné-Bissau e Serra Leoa), ou do Benim, por exemplo, figuravam nos inventários das casa nobres ou das elites ligadas ao comércio atlântico. Os gabinetes de curiosidades da Europa integraram, desde cedo, marfins provenientes do litoral africano. Todavia, tratava-se de apenas uma parte da produção local desses artefactos. A saída desses objectos dos centros de produção em África e a sua entrada nos acervos ocidentais, bem como no seu uso quotidiano, foi acompanhada por um distanciamento relativamente aos significados originais que tinham para os seus escultores africanos. A redescoberta da arte africana em marfim no tempo colonial, se procurou identificar a pluralidade da sua proveniência, não reconstituiu o sentido que os artefactos faziam para os seus autores. Pelo contrário, valorizou a inspiração europeia ou tomou por adquirida a iniciativa exógena da sua produção. Esta herança não foi de todo superada, sendo disso um sintoma a recorrente classificação nas legendas dos museus de “Sapi-Portuguese”, “Bini-Portuguese” ou dos artefactos Kongo como “Afro-Portuguese”. A ênfase excessiva na sua dimensão relacional tem contribuído para desviar as atenções dos contextos locais de produção e uso.
Esta comunicação pretende recentrar-se nos contextos africanos de produção e de consumo. Os marfins que podemos, de forma geral, classificar como Sapi e Kongo serão o alvo de atenção. A partir do cruzamento da análise dos objectos com uma releitura das fontes europeias coevas da sua produção procura-se uma aproximação aos mundos em que foram produzidos e em que tiveram uma função e significado.