Direitos em confronto? O colonial, o revolucionário e o tradicional no pluralismo jurídico estatal cabo-verdiano (1975-1990)

Odair Barros-Varela

O Estado cabo-verdiano, após a independência em 1975, estabeleceu duas grandes ambições ao nível da justiça: 1. Integrar os “usos e costumes jurídicos nacionais” na constituição do novo direito estatal; 2. Alargar a “participação popular” a todas esferas da justiça. Esta comunicação centra-se na análise da primeira ambição, em que o propósito do Estado cabo-verdiano, tal como dos outros países africanos de língua oficial portuguesa, foi o de criar um “Direito Novo” que integrasse tanto o direito revolucionário e o direito colonial herdado, como os usos e costumes jurídicos ancestrais (direito tradicional), configurando no horizonte a emergência de uma “mestiçagem” jurídica emancipadora no país.
Os acontecimentos subsequentes levaram à não inclusão dos supracitados usos e costumes sob o falso motivo da não existência no país do direito tradicional comparativamente a outros países africanos. Isso conduz não só ao insucesso da referida ambição como ao aparecimento momentâneo de uma mestiçagem jurídica hegemónica e excludente constituída pelo direito colonial e o direito revolucionário.
No entanto, dado que o direito colonial desencadeou, a seguir à independência, uma contra-revolução que teve como protagonista a classe jurídica (magistrados, advogados e juristas) procedente do período colonial, ela acabou por relegar o direito revolucionário para as orlas do sistema jurídico estatal, representado apenas pelos Tribunais Populares (apelidados oficialmente de Tribunais de Zona (TZs), configurando, efetivamente, um pluralismo jurídico estatal que vigorou até 1992 com o advento do multipartidarismo e da nova constituição que consagram a extinção da justiça popular e o monismo jurídico estatal.