Claudina, preta, solteira, recorreu à justiça, em 24 de janeiro de 1888, para obter sua liberdade. De acordo com seu curador, a escravizada, nascida na província de Pernambuco, era “creoula, e como tal brasileira”, devendo assim como os expostos, ser considerada “livre e de nascimento nobre”. Motivo? Filiação desconhecida. Como poderia o senhor tê-la na condição de escravizada sem que se soubesse quem era sua mãe? A jovem nascera pouco tempo antes da aprovação da Lei de 28 de setembro de 1871 que declarou a condição livre dos filhos das cativas nascidos a partir daquela data e, embora não fosse beneficiária direta do dispositivo legal, este foi mobilizado para pôr em dúvida seu cativeiro. Se crianças nascidas de ventres cativos eram, a partir de então, consideradas livres, seria plausível presumir que a escravização de Claudina, nascida ainda quando a condição jurídica das mães definia a dos filhos, somente poderia ser atestada se escravizado fosse o ventre que a gerou.
Claudina, assim como Romana, Luciana, Felício, dentre outros, questionava o fato de ter sido matriculada, nos termos da Lei de 1871 e da Lei nº 3270 de 1885, que deu continuidade à política de emancipação do governo imperial, com a informação de "filiação desconhecida".
De acordo com Robert Slenes, a família se constitui em “centro de um projeto de vida […] é um campo de batalha, um dos palcos principais, aliás em que se trava a luta entre escravo e senhor e se define a própria estrutura e destino do escravismo." A origem familiar, talvez negada a Claudina, foi o principal argumento em sua tentativa de obter a liberdade. Se sua ausência havia sido utilizada para mantê-la na escravidão, agora era mobilizada, mesmo sem qualquer previsão legal expressa, para construir uma dúvida razoável quanto à legitimidade de seu estado de cativeiro.
Por filiação desconhecida, pede justiça: relações familiares e disputas pelo direito à liberdade no Brasil em fins do Oitocentos
CÁTIA ASSIS