Direito, religiosidade diaspórica e resistência no Brasil

Saskya Lopes

Segundo o conceito de pensamento abissal de Santos (2007) fundamentado nas teorias pós e decoloniais, para explicar a forma de validar, legitimar o conhecimento e o Direto na modernidade está intimamente ligada à forma como o colonialismo dividiu o mundo e construiu o conceito de raça para sustentar o desenvolvimento do capitalismo, enquanto a outra face do colonialismo. Assim, a metáfora da divisão do mundo em um “norte” para as nações colonizadoras e um “sul” para os povos colonizados, onde todo saber válido e científico, no qual o Direito servia de base à emancipação revolucionária e garantia os direitos individuais estavam ao “norte” e ao “sul” inexistia conhecimento válido, só barbárie, atraso e o Direito legitima a exploração e violência. Destarte a cosmogonia da diáspora africana que chega ao Brasil foi marcada como atávica, cabendo aos colonizadores “catequizá-los”. O conceito de raça enquanto categoria útil à analise sociológica do racismo formatado no Brasil é imprescindível para entender a condição de não humanidade dos sujeitos diaspóricos, que também levaram quase três séculos para serem reconhecidos como sujeitos de direitos. A discriminação racial sistemática ao longo da história estrutura a sociedade brasileira e fundamenta práticas conscientes e inconscientes, até hoje, de apartamento deste grupo de pessoas ao gozo de direitos, tais como, de igualdade e liberdade, inclusive religiosa. O arcabouço jurídico brasileiro perseguia, vedava ou punia as práticas religiosas de matriz africana no Brasil e contribuindo para manter no imaginário coletivo o preconceito sobre as mesmas. Posto que a resistência da população negra destacou-se no espaço físico, cultural e espiritual desta religiosidade diaspórica, desde a articulação de fundos para libertação de seus pares, acolhimento de fugitivos, cuidados com a saúde física e espiritual, manutenção da cultura, até a demarcação territorial de espaços, seja às margens das cidades ou em zona rural.