Uma marca do comércio de escravos e da escravidão na África Centro-oriental foi o seu revigoramento no século XIX, estimulados pelo redirecionamento dos fluxos em direção ao Atlântico, pelo desenvolvimento das plantações no Índico, uma maior integração desta região às redes caravaneiras do comércio de longa distância e o surgimento de bandos militarizados capazes de conduzir razias e expedições escravizantes. Coincidindo com um período de inoperância das políticas abolicionistas europeias, a região da Zambézia acrescenta a este conjunto uma trágica confluência de interesses provenientes de diferentes centros de poder: os dos representantes da Coroa portuguesa que detinham o controle sobre vilas marítimas e ribeirinhas e parte dos lucros do comércio de seres humanos; motivações dos senhores e donas dos prazos a partir de seus domínios territoriais independentes e a presença de mercadores de origens diversas, africanos, mestiços, goeses e agentes das companhias europeias sediados em barracões espalhados pela região. A historiografia vem evidenciando os impactos da crise social que incidiu sobre populações que tentaram reagir a sua vulnerabilidade por meio de uma intensa movimentação em busca de segurança e proteção. Isaacman insiste na concentração de poder nos senhores da guerra que aparecem, a um tempo, como algozes e protetores; Capela, mantendo a centralidade do tráfico de seus estudos, busca a formação de cidadelas fortificadas nas aglomerações denominadas de aringas; outros estudiosos, indícios de trajetórias fugidias de populações “incapazes de remontar genealogias”, ou portadoras de genealogias curtíssimas de homens e mulheres “sem nihimo”. No conjunto das investigações, assinala-se ainda as que procuram a rarefeita incidência disso nos testemunhos e trajetórias autobiográficas, no geral escassas. Relacionada a uma pesquisa em andamento, o objetivo da comunicação é apresentar o estado da arte, focalizando sobretudo problemáticas que atravessam a interpretação de fontes capazes de reconstituir estes episódios à luz das suas dimensões sociais.
Violência, vulnerabilidade e refúgio no vale do Zambeze no século XIX: direções historiográficas, conceituais e fontes
Maria Cristina Cortez Wissenbach