Afrodescendentes, afroportugueses, portugueses negros… Identidade, pertença ou cidadania? Tendências e limites de uma categoria em construção.

Iolanda Évora

Os termos afrodescendência e afrodescendente ganham destaque como categorias que referenciam a pertença ao mundo afrodiaspórico contemporâneo no continente europeu e surgem associados a dinâmicas específicas de sujeitos políticos que exigem o reconhecimento dos efeitos sobre as identidades associadas à Europa e seu passado colonial. Em Portugal, o termo afrodescendente tem maior circulação no espaço público, porém, sem correspondência com um aprofundamento conceptual sistemático que apoie o debate mais amplo sobre a presença negra no país, as afrodiásporas e a sociedade portuguesa contemporânea.
Esta reflexão incide sobre a saliência atual da categoria identitária afrodescendente no espaço público e académico português e as possíveis correspondências com a emergência, de fato, de um novo coletivo que busca o seu estatuto na sociedade. Alguns achados de pesquisas recentes com artistas, ativistas e empreendedores culturais permitem interrogar se o uso indistinto do termo afrodescendente corresponde à lógica que pretende eleger uma categoria mais livre de discriminação racial e evitar os termos negro ou preto. Ou se se trata, afinal, da consolidação de uma autoidentificação que assinala a resistência de um grupo historicamente discriminado, contra um alinhamento institucional que mantém as estruturas que perpetuam o racismo e os seus modos de subjetivação.
Sob o aparente consenso, por exemplo, as definições que aproximam o afrodescendente ao imigrante permanente reforçam tanto a ideia de provisoriedade de uma existência pessoal e coletiva -forjadas, exclusivamente, em contexto português- como o pressuposto da discrepância entre traços africanos e pertença europeia. Ao contrário, os jovens nascidos em Portugal utilizam o termo para descrever uma pertença simultaneamente portuguesa e africana em que estas não se excluem mutuamente. As tendências e limites da categoria serão compreendidas com o apoio dos debates no campo dos Black Studies e as posturas analíticas críticas de Roger Brubaker aos estudos da identidade, etnia, raça e nacionalismo.