Em torno da escravidão e da liberdade no Moçambique colonial: contextos, práticas e limites

Eugénia Rodrigues

Na colónia portuguesa de Moçambique, que se estendia por locais litorâneos e pelo vale do rio Zambeze na África Oriental, o trabalho dos escravizados era fundamental para sustentar a economia, assegurar o funcionamento doméstico e afirmar o estatuto social dos senhores, assim como para defender militarmente a ordem imperial face a resistências internas e ameaças dos poderes africanos vizinhos. A escravização de milhares de pessoas estava embebida em práticas locais de dependência e clientelismo, as quais sofreram novas configurações no contexto colonial. Formas mais europeizadas de escravização coexistiam com práticas africanas, consoante a capacidade de negociação dos escravizados e dos senhores, a qual variava ao longo do território sob domínio português. Antes da abolição da escravatura no império português, em 1869, a possibilidade de os escravizados mudarem o seu estatuto para livres dependia da sua capacidade de acordarem com os senhores a manumissão, um mecanismo admitido pelo regime normativo português. Enquanto essa foi uma prática adoptada em todas as colónias portugueses, e em geral nos impérios europeus, em Moçambique, a manumissão teve uma expressão limitada.
Esta comunicação explora os significados da escravização e da alforria na colónia portuguesa de Moçambique, tendo como base fontes do arquivo colonial. Em primeiro lugar, analisa as relações entre senhores e escravizados, tendo em conta as práticas de escravização prevalecentes no território, assim como o perfil dos escravizadores e dos escravizados. Em segundo lugar, busca entender as práticas de alforria e avaliar o impacto e os significados da liberdade, considerando os percursos dos antigos escravizados enquanto pessoas livres no contexto social da África Oriental.