Para uma teoria literária decolonial. Interrogações a partir de duas escritoras afro-diaspóricas: Djaimilia Pereira de Almeida e Sharon Dodua Otoo.

Catarina Martins

Ao longo das quatro últimas décadas, a crítica feminista e a crítica pós-colonial / decolonial desenvolveram propostas teóricas e trabalhos analíticos no âmbito dos estudos literários, que transformaram profundamente a compreensão das literaturas. Visaram, sobretudo, a ocupação do cânone e dos sistemas literários pela literatura de autoria feminina e do/a subalterno, a constituição de novos cânones, a análise crítica das representações das mulheres, de identidades sexuais dissidentes, bem como de personagens negras e indígenas. Procurou-se, igualmente, estabelecer o que seria “o sexo dos textos” e/ou “a raça dos textos”, interrogando os próprios conceitos de literatura feminina, literatura negra ou afrodescendente, literatura indígena.
Ao mesmo tempo, estas literaturas e seus autores/as desenvolviam estéticas e conceitos, muitas vezes com uma forte reflexão metaliterária, que mereceram grande fortuna crítica, devido à forma como punham e põem em causa normas ou tradições de entendimento da própria literatura. Um exemplo destacado é “Escrevivência” de Conceição Evaristo, bem como tantas outras propostas de “embodied writing”, ou seja, de uma escrita do corpo, própria de quem sofreu opressão e discriminação por causa de diferenças e hierarquias assentes na diferença física em relação à norma masculina e branca, que se apresenta como “transparente”, ou seja, sem a materialidade do corpo.
É chegado o momento de pensar as implicações de todos estes trabalhos na teoria literária, na conceção dos vários domínios dos estudos literários, na metodologia, bem como nos conceitos operativos e na terminologia da análise do texto literário – e, até, por que não, na própria conceção de literatura.
Assim, a presente comunicação pretende explorar implicações para a teoria da literatura e para a metodologia de análise literária contidas nas reflexões sobre a escrita de duas escritoras afrodiaspóricas, a partir dos seus ensaios, entrevistas, e da prática literária: Djaimilia Pereira de Almeida (Portugal) e Sharon Dodua Otoo (Alemanha).