Nos últimos anos, uma sensibilidade etnográfica atenta à construção social e decolonial de tramas ecológicas de significado tem se destacado, apresentando alternativas aos desvios securitários e divisionistas da política internacional. É nessa perspectiva que se enquadra o trabalho etnográfico sobre a formação de uma Rede de Ação Territorial de Matriz Africana que atua na Zona Oeste do Rio de Janeiro. A Rede MAR (Matrizes Africanas Reunidas) é composta por Institutos Socioculturais nascidos em locais de culto de de matriz africana (terreiros). O trabalho realizado por esses Institutos tem como objetivo construir comunidades por meio do conhecimento local e ancestral de matriz afro-indígena, promovendo relações conscientes e de cuidado. Tradicionalmente, os terreiros representam um espaço restaurador de culturas fragmentadas para corpos periféricos, negros e pobres: são espaços de reterritorialização de formas sociais desterritorializadas com a diáspora. Hoje, o trabalho social dos terreiros é voltado tanto para os filhos espirituais quanto para os moradores do bairro: são práticas que levam ao empoderamento étnico e de gênero dos participantes, permitindo a circulação do axé, poder de realização de cada um. No Rio, os terreiros estão distribuídos em áreas pobres e periféricas, com condições sociossanitárias desastrosas, onde não há centros de agregação. Assim, uma rede territorial atesta a possibilidade de um caminho de ecologia social decolonial sustentado por uma imaginação/ação política que, partindo de um universo religioso específico, conseguiu, por um lado, expressar as necessidades êmicas de diferentes grupos sociais e, por outro, responder às necessidades coletivas, desde a precariedade econômica até as desigualdades de gênero, o isolamento territorial etc. Assim, a Rede MAR se apresenta como uma tentativa de superar as divisões dos Povos afro-indígenas ampliadas pelas políticas estatais, fortalecendo a consciência étnica contra as fronteiras urbanas da desigualdade e da violência.
Ecologia social de axé: práticas religiosas afro-brasileiras no Rio de Janeiro
Eleonora Di Renzo