A emergência de categorias que, de um modo geral, pretendem observar o impacto (geológico) do humano em suas diversas subjetividades e através de perspectivas críticas distintas – antropoceno, capitaloceno plantationceno ou chthuluceno (Moore, 2016; Haraway 2015), entre outras – configura o ambiente e o ambientalismo como um tema e um problema central no campo dos estudos literários, oferecendo a possibilidade de (re)definir as literaturas africanas – suas estéticas, formas e gêneros, bem como seus paradigmas críticos e conceituais – a partir de uma perspectiva ecocrítica. (Falconi, 2023) Neste sentido, os estudos literários, e especialmente os estudos de literaturas africanas, podem desempenhar um papel central na (re)definição do que é habitualmente definido como ambientalismo (Nixon, 2011) e, sobretudo, no vem sendo definido como “o ambientalismo do pobre” (Martinez-Alier, 2003; Guha, 2000; Nixon; 2011). A partir destas premissas e operacionalizando o conceito de “ambientalismo literário” surge a possibilidade de mapear os discursos e as práticas – politicas e estéticas – que se situam no continente africano e especialmente no campo das literaturas africanas e portanto também dos países africanos de língua oficial portuguesa onde as abordagens ecocríticas e ambientalistas se apresentam como cartografias ainda por desenhar.
O ambientalismo e a ecocrítica se destacam entre os mais atuais desdobramentos nos estudos literários contemporâneos, sobretudo no campo da literatura comparada, dos estudos pós-coloniais e do debate sobre literatura-mundial. Trata-se, no entanto, de perspectivas críticas e analíticas ainda pouco desenvolvidas no campo de estudos de literaturas africanas, especialmente no que tange às literaturas dos países africanos de língua oficial portuguesa (Falconi, 2023). O ambientalismo, a ser entendido como a relação entre natureza, cultura e sociedade e que, em tese, pauta a formação do romance africano moderno e contemporâneo, é raramente (re)conhecido como um tema – um conteúdo ou uma estética – matricial no campo dos estudos de literaturas africanas, reproduzindo a lógica de desigualdade que, de acordo com Ramachandra Guha (2000), pauta os discursos sobre ecologia e ambientalismo no campo das ciências sociais e políticas, onde a hegemonia de perspectivas ocidentais e, especialmente, norte-americanas, silenciam e apagam o que é definido como “o ambientalismo do pobre” (Martinez-Alier, 2003). A partir destas premissas, o painel “O ambientalismo literário do pobre. Por uma ecocrítica das literaturas africanas” visa reunir trabalhos que se situam no vasto âmbito do que vem sendo definido como humanidades ambientais – environmental humanities –, privilegiando, por um lado, reflexões críticas sobre o ambientalismo na área dos estudos africanos e, por outro lado, análises e (re)leituras de obras de literaturas africanas que problematizam o ambientalismo, em diversos contextos geográficos e linguísticos do continente africano. Portanto, o principal objetivo do painel é o de mapear, em sentido exploratório e cartográfico, os debates ambientais em África e os “ambientalismo literários” que pautam as literaturas africanas e, especialmente, as literaturas dos países africanos de língua oficial portuguesa, estimulando e fortalecendo abordagens inter e transdisciplinares no âmbito da ecocritica e das humanidades ambientais.
Falconi, Jessica “Ecocritica” in Fernanda Gallo (org.) Breve Dicionário das Literaturas Africanas (Campinas, Editora Unicamp, 2023), pp. 57-66
Guha, Ramachandra. Environmentalism: A Global History (New York: Longman, 2000)
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Haraway, Donna. “Anthropocene, Capitalocene, Plantationocene, Chthulucene: Making Kin”. In Environmental Humanities (2015) 6 (1): 159–165. https://doi.org/10.1215/22011919-3615934
Martinez-Alier, Joan. The Environmentalism of the Poor: A Study of the Ecological Conflicts and Valuation (Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing, 2003).
Moore, Jason W. Anthropocene or Capitalocene?: Nature, History, and the Crisis of Capitalism. (Oakland: PM Press, 2016).
Nixon, Rob. Slow Violence and the Environmentalism of the Poor. (Cambridge, Massachusetts, and London, England: Harvard University Press, 2011).