A partir da década de 1990, a Nova Historiografia da escravidão no Brasil, impulsionou os estudos sobre a África. O Atlântico negro, termo cunhado por Paul Gilroy foi tomado pelos intelectuais brasileiros(as) e de algures como uma categoria conceitual para pensar nos trânsitos, conexões e trocas entre o continente africano, as Américas e a Europa nos séculos de formação do comércio entre europeus e povos africanos, do tráfico transatlântico e da escravização na diáspora. Embora as pesquisas estejam mais voltadas às miragens do tráfico e da escravidão, nos últimos anos vem crescendo significativamente os trabalhos que reduziram a escala de observação na África, propriamente dita, sobremaneira, no que tange as questões mais contemporânea do pós-colonialismo e da decolonialidade. Por outro lado, os estudos da África que dialogam também com a diáspora, tem privilegiado o deslocamento do eixo da análise das construções europeias no período da modernidade, para focalizar as experiências das pessoas que cruzaram o Atlântico, viveram em suas margens litorâneas, formando e participando de comunidades, do comércio, da circulação de ideias, e experimentaram a escravidão, sejam como cativas, sejam libertas, sejam livres, sejam europeias, sejam americanas, sejam africanas, no período oitocentista. Não obstante, ousamos o alargamento do conceito de mundo atlântico para abarcar o pós-emancipação em perspectiva cronológica mais ampla, no intuito de dialogar com estudos que refletem sobre o Atlântico negro em temporalidades mais contemporâneas. Desta feita, o presente painel tem a pretensão de reunir estudos em período de longa duração, do século XVIII ao XX, pois almeja congregar pesquisadores(as) que vêm debruçando-se nos estudos sobre a África e a Diáspora, contemplando os fluxos e refluxos entre pessoas, ideias, culturas, religiosidades, comércios gestados tanto no período do tráfico atlântico, das escravidões africanas nas duas margens continentais (África-Américas), nas lutas pela liberdade, como nos tempos coloniais e pós-coloniais. Ademais, temos o intuito também de dialogar com inflexões metodológicas que privilegiam os campos da biografia e trajetória de vida, bem como as interfaces entre a história, a literatura, a cultura visual e os pressupostos culturais da decolonialidade. Nesse sentido, quais seriam as contribuições que as práticas religiosas, formatações culturais, transgressões, ressignificações, projetos de liberdade, negociações entre africanos, crioulos, livres de cor e não negros, podem trazer para ampliarmos as lentes sobre a estrutura das sociedades escravistas do Império Português, em particular no Brasil e nos países africanos que foram colonizados pelos lusitanos? Quais os campos de tensões, negociações e conflitos envolviam escravizados e senhores, africanos, crioulos e os indivíduos não negros? Que formas de organizações nos mundos do trabalho no pós Emancipação construíram-se como meio de sobrevivência não apenas econômica? Estas são algumas das inquietudes que fazem parte das preocupações a serem discutidas neste painel.
44. ÁFRICA E DIÁSPORA NO ATLÂNTICO SUL: ESCRAVIDÃO, EMANCIPAÇÃO E PÓS-ABOLIÇÃO (SÉCULOS XVIII-XX)
Bibliografia
CANDIDO, Mariana P. Wealth, Land, and Property in Angola: A History of Dispossession, Slavery, and Inequality. Cambridge University Press, 2022.
COSTA, Valéria Travessias no Atlântico negro: tráfico, trajetórias e diáspora (África-Brasil), séculos XVII-XIX. São Paulo: Selo Negro, 2023.
COSTA, Valéria G. Ómìnirá: os libertos da Costa d’África no Recife (1846-1890). São Paulo: Alameda, 2021.
FERREIRA, Roquinaldo. Cross-cultural exchange in the Atlantic World – Angola and Brazil during the era of the slave trade. Cambrige: Cambrige University Press, 2012.
FURTADO, Cláudio Alves; SANSONE, Lívio. (org.) Lutas pela memória em África. Salvador: EdUFBA, 2019, p. 93-124.
GILROY, Paul. O atlântico negro: modernidade dupla consciência. São Paulo: Ed. 34; Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.
GOMES, Flávio. Mocambos e Quilombos: uma história do campesinato negro no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2015.
MACHADO, Maria Helena, BRITO, Luciana, VIANA, Iamara, GOMES, Flávio. Ventres Livres? Gênero, maternidade e legislação. São Paulo: Editora Unesp, 2021.
Mbembe, Achille. África Insubmissa: Cristianismo, poder e Estado na sociedade pós-colonial. Mangualde; Ramada: Edições Pedago; Luanda: Edições Mulemba, 2013. (1ª Edição: Paris: Karthala, 1988).
VIANA, Iamara, COSTA, Valéria. Mulheres Afroatlânticas e Ensino de História. Rio de Janeiro: Editora Malê, 2023.