Este painel propõe uma exploração dos imaginários africanos e afro-descendentes na Península Ibérica nos séculos XX e XXI, expressos na literatura e noutras artes (cinema, música, dança, artes plásticas, fotografia, etc.) nas línguas de ambos os países. Exploraremos as obras de escritores e artistas que trabalham a partir da Península Ibérica e que se situam conscientemente neste lugar como ponto de partida ou de chegada, tendo como pano de fundo a sua relação com África. Tanto em Espanha como em Portugal, podem distinguir-se diferentes grupos de escritores e artistas com estas características: ou são pessoas em situação de imigração permanente (ou temporária), ou são pessoas nascidas na Península Ibérica, de ascendência africana, muitas vezes com ligações a zonas de língua espanhola (Guiné Equatorial) e portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe), mas também a outros territórios e línguas do continente africano.
Perguntamos a nós próprios: qual é o lugar de pertença, a pátria imaginada destes escritores e artistas? Em Espanha, a jornalista Lucía Mbomío explicou na sua coluna inaugural “Barrionalismos” no El País que é Alcorcón, o seu bairro em Madrid, o único lugar onde se sentiu “em casa” e onde é reconhecida como “dona” do bairro face à insistente negação da sua identidade espanhola devido ao seu perfil racial (Mbomío Rubio 2018). A mesma opinião foi manifestada pelos jovens “cabobercianos”, que responderam sem hesitar que “de Bembibre”, uma localidade de Bierzo, era o lugar que os identificava como filhos dos cabo-verdianos que foram trabalhar nas minas de Leão (Cebrones 2018). Em Portugal, a escritora de ascendência luso-angolana Yara Nakahanda Monteiro afirma “eu sou de onde estou”, demonstrando uma flexibilidade e adaptabilidade às circunstâncias da vida (entrevista Wieser 2021 e 2024). Outros inscrevem-se em espaços mais etéreos, difíceis de reduzir a um território, como a negritude e o hip-hop (Frank T, entrevista de Mbomío Rubio 2017) ou outros estilos musicais como o kuduro e a kizomba (Kalaf Epalanga, entrevista de Wieser 2021). Um bairro, uma aldeia ou uma comunidade imaginada.
Em todos os casos, são espaços definidos pela sua relação com África, e essa relação é permeada por uma variedade de sentimentos diferentes, desde a nostalgia, a dor e o luto, até à identificação, ao orgulho e à exaltação. Assim, perguntamo-nos também: qual é a relação entre os criadores africanos e afrodescendentes que vivem na Península Ibérica e em África? Através de que vestígios, memórias, histórias orais, canções ou ritmos é que a ideia de África regressa ao presente? Neste painel, gostaríamos de estabelecer um diálogo entre a produção africana de língua portuguesa e espanhola, reflectindo sobre produções literárias e artísticas que exploram a construção de lugares de pertença nas suas dinâmicas entre história, memória e ficção. Neste sentido, são também bem-vindas propostas que discutam a relevância da utilização de termos como afrodescendência, diáspora, migração e exílio.
Enquanto em Portugal o estudo das literaturas africanas de língua portuguesa foi institucionalizado em 1975, na sequência da Revolução dos Cravos, e tem, portanto, uma tradição académica bastante consolidada, com especialistas de renome, o campo de estudo das literaturas africanas em Espanha é mais recente. No entanto, a literatura de origem africana e a literatura de africanos imigrantes é um fenómeno recente em toda a península. Estudos pioneiros sobre estas criações literárias e artísticas têm sido publicados nos últimos anos, tanto em Portugal (Mata e Évora 2021, Wieser 2021 e 2024, Khan e Sousa 2023) como em Espanha (Miampika e Arroyo 2010; Miampika 2015; Angone 2018; García 2018; Abé Pans 2019; Borst 2021; Bernechea 2022; Borst e Gallo González 2024) e também à escala europeia que por vezes incluiu estes dois espaços (Brancato 2008; Borst e Gallo González 2019; Fraticelli e López Vilar 2022; Ricci 2023; Borst, Neu-Wendel, e Tauchnitz 2023). Com esta abordagem, esperamos dar um contributo valioso para o alargamento e o aprofundamento desta área interdisciplinar do conhecimento.