Representações cruzadas das cidades na literatura italiana pós-colonial de Igiaba Scego

Adriana Aparecida de Jesus Reis

Na Itália contemporânea, sobretudo a partir de 1990, tem crescido o debate em torno da literatura italiana pós-colonial em níveis literário, cultural, social e político. Trata-se de um movimento pensado sobretudo por autoras mulheres, italianas de ascendência africana, que, ao desvelarem o passado colonial exercido pela Itália durante o colonialismo na região do Chifre da África, desafiam as noções fixas de italianidade/italianità (cf. Giuliani; Lombardi-Diop, 2013) e criam uma noção de pertencimento literário, uma italianità letteraria. Em particular, merece relevo o trabalho pioneiro de Igiaba Scego, escritora ítalo-somali, jornalista, ativista cultural, pesquisadora independente e autora da coluna de ensaios La spettatrice nera (2024), do jornal italiano La Stampa. Sua escrita, nesse sentido, é delineada por uma cartografia literária e afetiva, entrecruzando duas cidades, Roma e Mogadiscio, capitais da Itália e da Somália, uma representação simbólica da sua identidade afro-europeia (cf. Hogarth, 2023) ou de encruzilhada (cf. Scego, 2018). Este trabalho tem o objetivo de analisar as representações cruzadas dessas duas cidades em três obras da escritora afro-italiana Igiaba Scego, La mia casa è dove sono, Adua e a mais recente Cassandra a Mogadiscio. Para isso, serão necessárias as considerações teórico-críticas da própria autora em sua obra de cunho ensaístico, Roma Negata: percorsi postcoloniali nella città (2014), escrita com o fotojornalista Rino Bianchi, do pesquisador camoronês Bonaventure Soh Bejeng Ndikung (2024), do geógrafo brasileiro Milton Santos (1980), do historiador italiano Angelo Del Boca (2015), e das pesquisadoras afro-diaspórica Grada Kilomba (2019) e francesa Bénédicte Savoy (2022). Ao ressignificar a monumentalização de Roma, trazendo as vivências e memórias negras ligadas ao passado colonial, Scego cartografa uma Black Italy e estabelece epistemes cruzadas, entre corpo e território, corpo e cidade, o que contribui para a ampliação de intersecções interdisciplinares a fim de compreender o novo movimento literário inaugurado por essas escritas afro-diaspóricas.