A partir do meu trabalho de campo para o doutoramento em antropologia, sobre consumos alimentares de famílias migrantes cabo-verdianas que residem/residiam nos bairros de auto-construção da Cova da Moura e 6 de Maio (hoje demolido) e no bairro de realojamento do Zambujal, esta proposta procura debater como o espaço habitado facilita ou dificulta a manutenção de hábitos alimentares trazidos da origem e de que modo estes podem ser entendidos como formas de resistência.
Tendo com pano de fundo o texto de bell hooks, “Constituir o lar: um espaço de resistência”, proponho discutir a relação entre a casa e consumos alimentares e como actuam como formas de resistência na manutenção de práticas que viajaram desde a origem.
A preservação de modos de fazer, assim como o consumo de alimentos simbólicos (milho, feijão, pastéis de milho, cachupa, grogue, entre outros) desempenham um papel crucial para estas famílias, permitindo a recriação de um sentido de “casa” no contexto migratório. Apesar da adaptação a novos hábitos alimentares entendidos como “portugueses”, a “saudade da kumida di téra”, as memórias de infância e juventude ligadas a estes consumos permanecem em várias narrativas, estabelecendo-se diferentes posições “cá” (Portugal), “lá” (Cabo Verde) e um “entre” estes dois lugares.
Dessa forma, o cultivo, a compra, preparação e degustação de alimentos identificados como cabo-verdianos/africanos devem ser compreendidos como práticas que vão além da mera satisfação biológica. As práticas alimentares que foram mantidas ou abandonadas, os utensílios de cozinha introduzidos ou abandonados, os novos alimentos e os que continuam a viajar informalmente são dinâmicas que podem ser relacionadas com o lugar que se habita.
Para as famílias com quem trabalhei, as práticas alimentares que trazidas de Cabo Verde representam vínculos de identidade, pertença, memória, afectividade, conforto, mas também uma forma de resistência.