O debate historiográfico sobre as práticas religiosas em Luanda e nos presídios angolanos tem sido, nas décadas recentes, em muito influenciado, mas também condicionado, pelo conceito, proposto por John K. Thornton, de “africanização do catolicismo” e pela tese de Linda Heywood de que houve a formação de uma cultura crioula em Angola ao longo dos séculos XVI-XVIII. Embora tais conceitos e abordagens tenham tido o mérito de introduzir um olhar a partir de África no que se refere ao estudo das crenças e práticas religiosas das populações do Kongo e Angola daquele período, a verdade é que só parcialmente foi ultrapassada uma perspectiva eurocêntrica de análise. Com a presente comunicação questionar-se-á a utilidade dos conceitos de “africanização do catolicismo” e de “creolização” para a compreensão da formação de novas subjetividades religiosas em contexto colonial. Recorrendo sobretudo a fontes inquisitoriais, procurar-se-á uma aproximação às “vozes africanas” de forma a analisar o fenómeno religioso numa perspectiva “de baixo para cima”. Espera-se, assim, demonstrar não só a complexidade que marca as práticas e crenças religiosas, como também a importância de se considerar o peso do individual, evitando-se generalizações que escondem mais do que aquilo que revelam. Finalmente, através de uma análise histórica comparativa e conectada, demonstrar-se-á como, afinal, em vários pontos do mundo colonial, os indivíduos foram capazes de formar as suas subjetividades religiosas, desafiando assim os enquadramentos formais que os impérios almejavam impor.
Transformações e criações culturais na Angola do século XVIII
Hugo Ribeiro da Silva