Em Essa Dama Bate Bué! (2018), de Yara Nakahanda Monteiro, Luanda é apresentada a partir da perspetiva da protagonista e narradora principal, Vitória, e, por alguns momentos, do ponto de vista de outros personagens, pela maioria mulheres. Vitória, nascida em Angola mas crescida em Portugal, decide regressar ao seu país natal para procurar a sua mãe Rosa, uma ex-combatente da luta armada. Ao conhecer Luanda e os seus habitantes, Vitória encontra uma cidade viva, repleta de sons e barulhos porém caótica e contraditória. A Luanda retratada no romance é o fruto do pós-guerra civil, uma cidade ainda marcada pela desigualdade social, um lugar no qual a população, em particular as mulheres e, sobretudo, as mulheres das classes sociais mais pobres, continuam a sofrer. Distâncias e múltiplas barreiras separam diferentes áreas da cidade e as pessoas que nelas habitam, enquanto sons, barulhos e vozes propagam-se pelo espaço urbano, ultrapassando barreiras físicas, rompendo silêncios e até impedindo o descanso. Ora, a narração do romance resulta fortemente marcada pelo espaço de Luanda, que longe de ser um mero pano de fundo, uma ambientação, participa da atividade barulhenta da narração. Corporizada no texto narrativo como uma outra personagem, a cidade junta-se à interação caótica dos seus habitantes. Partindo da abordagem teórica das Materialidades da Literatura, com um foco sobre a relação entre espaço urbano e texto narrativo, esta comunicação visa analisar a forma como o romance Essa Dama Bate Bué! materializa Luanda enquanto outra personagem, um corpo textual que participa da ficção narrativa.
A corporeidade de Luanda em Essa Dama Bate Bué!
Elena Soressi