Esta comunicação debruça-se sobre as eleições e a vigência da Assembleia Legislativa e da Junta Consultiva de Moçambique: as derradeiras eleições dos órgãos internos da era colonial em Moçambique e as primeiras após a entrada em vigor da nova Lei Orgânica do Ultramar (1972). Esta investigação evidencia um microcosmo das limitações do reformismo colonial do governo de Marcello Caetano, bem como uma pista sobre a hierarquia racial do colonialismo tardio português na costa leste africana.
Recorrendo aos arquivos do Ministério do Ultramar e do Arquivo Histórico Ultramarino, essencialmente à comunicação interna do regime assim como a fontes hemerográficas endógenas e exógenas, procuramos provar como a sobrerrepresentação das comunidades que existiam entre a “branquitude” e a “negritude”, isto é, as comunidades mestiças ou oriundas da Ásia, nos órgãos legislativos estudados assim como o seu papel preponderante entre os vogais não-«brancos» aponta para o papel que estas desempenhavam como estrato social intermédio entre os colonizadores e os colonizados, em particular as comunidades que podiam traçar a sua ascendência ao subcontinente indiano. Para além disso, tornou-se óbvio que a figura prepotente do Governador-Geral nomeado por Lisboa, que presidia a Assembleia Legislativa e tinha poderes quase absolutos sobre ela, tirou credibilidade e poder ao órgão, resumindo as limitações da autonomia ultramarina propagada por Caetano.
Analisamos a dinâmica interna das estruturas eleitas, procurando sinais de tensões no seio da ordem colonial, nomeadamente de pendor independentista, e embora raras, estas, realmente, existiram. Também a perceção e relação estabelecida pelos moçambicanos em relação a estes órgãos coloniais foi estudada, assim como a capacidade de esta servir como “ponta de lança” dos colonos portugueses em Moçambique nas suas demandas autonomistas face a Lisboa. Por fim, foi dissecada a forma como o ato eleitoral, e o esforço de reformismo colonial em curso, era lido na cena internacional.
As últimas eleições do Moçambique colonial (1973): limitações do marcelismo colonial e hierarquias raciais de poder
Eduardo Esteves