Este trabalho discute os aspectos constitutivos, do ponto de vista sociolinguístico, de um falar dito “brasiliense”, com suas especificidades e heterogeneidades, abordando, ainda, do ponto de vista sócio-histórico, como a tecitura de identidades essencialmente brasileiras que compuseram, e continuam a compor, o pano de fundo dessa – possível – variedade em estágio de focalização (ANDRADE, 2010) do português brasileiro. Argumenta-se, ainda, que a constituição do Distrito Federal nos moldes como se dera carregou consigo máculas e, em paralelo, disputas que podem ser discutidas sob a égide da colonialidade e das Epistemologias do Sul (SANTOS, MENESES, 2010).
O monumento quadrilátero que tornou-se capital da maior nação da América do Sul fora habilmente lapidado por mãos múltiplas, diversas, brasileiras. O distrito, fenômeno urbanístico e social, tornou-se vertedouro para onde fluíram todos os rios semânticos, fonéticos e fonológicos da nação – e posterior nascedouro de um falar outro. Entretanto, tão múltiplo quadro não fora pintado com vernizes sóbrios. Houve altercações diversas, vivas nos relatos de candangos e no registro das primeiras Regiões Administrativas. Fora a partir de ativa luta, sangue e suor que fincaram pé no barro vermelho do planalto os trabalhadores, eles próprios, ergueram tal empreendimento. Distribuídos em diversas invasões, foram sistematicamente desalojados, expulsos e empurrados até uma “margem segura” da “Brasília planejada”, em centros e vilas.
Tal processo de constituição, que, em certo grau, replica uma dinâmica histórica do Sul global, imprimiu na dinâmica social do povo desse lugar fenômenos diversos, que evidenciam-se na cultura, memória e, também, língua. É nesse sentido que cabe observar avaliações e percepções (OUSHIRO, 2021) linguísticas do falar desse “povo do Planalto”, que possui sua identidade linguística, calcada em uma história múltipla ao passo que única que traz raízes ancestrais também vinculadas ao território africano.
De “candanga” a “brasiliense”: identidade e o(s) falar(es) de Brasília
Lucas Abreu