O objetivo desta comunicação é apresentar como as experiências de trabalhadores e as múltiplas formas de organização do trabalho existentes no norte de Moçambique (atual província de Nampula) influenciaram a formação de comunidades, nomeadas nas fontes de “aringas” e “quilombos”, no século XIX. Num primeiro momento, apresentarei duas povoações compostas originalmente por escravizados fugidos, ou “de ganho”, e libertos denominadas Missanga e Ampapa, e a relação com as formas de trabalho marcadas pelo sistema escravista europeu e com as dinâmicas locais africanas, como os processos de migração e o comércio de longa distância. Num segundo momento, mostrarei a formação de uma terceira comunidade conhecida como a “aringa de Farelay” e a sua ligação com novas formas de relações de trabalho advindas da implementação do colonialismo europeu. E, por fim problematizarei a utilização dos termos “aringas” e “quilombos” para identificar essas comunidades e tecerei aproximações entre os sentidos dados às experiências de trabalhadores dessas três comunidades de Moçambique e as encontradas em outros espaços geográficos, como os quilombos no Brasil. Nesse eixo de análise, influenciada principalmente pela historiografia brasileira sobre resistência escrava, associarei a ideia de “cultura política” ao sentido comum dado à formação dessas comunidades. “Cultura política” aqui entendida como uma forma de organização, inclusão social e proteção de indivíduos ou grupos que estariam à margem da sociedade colonial, por serem trabalhadores escravizados ou “de ganho” e libertos, ou das linhagens africanas mais antigas no território estudado.
Entre “aringas” e “quilombos”: experiências e comunidades de trabalhadores no norte de Moçambique no século XIX
Regiane Mattos