56. Infraestruturas sobrecarregadas. Perspetivas comparativas sobre mobilidade urbana e deslocamento na África

Marta Contijoch Torres
Observatori d’Antropologia del Conflicte Urbà - Universitat de Barcelona
Josep Maria Olivé
Àrea Metropolitana de Barcelona

Cidades de todo o mundo têm desenvolvido, nas últimas décadas, novos planos de mobilidade, transporte e infraestrutura (Beck, K.; Klaeger, G. & Stasik, M. 2017, Dalakoglou 2017, Dalakoglou & Harvey, 2012; Harvey & Knox, 2015, Horta & Malet 2014, Melnik 2018). São dispositivos tecnopolíticos comprometidos não só com modelos de deslocamento, mas também com novos usos e novas formas de locomoção. Nesta dinâmica, os países e cidades do Sul Global registam tentativas de “modernização” dos seus sistemas e modelos de mobilidade. Estes vão além da renovação dos sistemas logísticos e da frota de veículos, e muitas vezes consistem na retomada da presença direta do Estado no governo da mobilidade urbana e interurbana. A tudo isto, há que acrescentar a chegada de plataformas – como a Uber ou a Bolt – às quais se somam outras desenvolvidas localmente. As promessas de melhorar a mobilidade são apresentadas, seja por quem as implementa, seja por instituições e agendas internacionais, como um caminho para a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento econômico, este último muitas vezes entendido apenas sob o prisma do neoliberalismo. No entanto, estes novos modelos de mobilidade, bem como os meios de transporte e as infraestruturas que os implantam, são rapidamente sobrecarregados por utilizações inesperadas, novas tecnologias, novos veículos e meios de mobilidade, que podem contradizer estes planos. Verificamos também, já a nível global, a emergência de novos meios de transporte de pessoas e bens que utilizam novas tecnologias, modelos de negócio (como economias de plataforma, Kenney e Zysman 2016, Rogers 2016) e infraestruturas – recém-construídas ou já presentes – de formas que os urbanistas não tinham planeado, muitas vezes no limite da legalidade e das regras de trânsito, e, por vezes, provocando o colapso da infraestrutura que utilizam. Ao mesmo tempo, estas supostas novas formas de mobilidade estão interligadas e combinadas com as já estabelecidas, bem como com formas de governação e organização do trabalho que as moldam de forma única em cada contexto. Neste painel propomos discutir como estes processos de transbordamento são comparáveis e ressoam entre si, e que uma comparação entre dinâmicas identificadas em várias cidades africanas pode ajudar a desenvolver um quadro geral para as mobilidades contemporâneas. Queremos fazê-lo contrastando estes processos de implementação de novas mobilidades urbanas e formas de transporte em várias cidades africanas, mas compreendendo que os casos retirados de cidades do Sul global podem fornecer pistas para compreender dinâmicas que, embora se apresentem de forma diferente, também ocorrem no Norte global. Nossa comparação, ao contrário, sugere analisar essas cidades como radicalmente contemporâneas. Embora os modelos de mobilidade, as tecnologias e as infraestruturas implementadas possam parecer muito diferentes, os problemas por elas gerados são, no entanto, semelhantes: geram meios de transporte que utilizam novas tecnologias, muitas vezes no limite da legalidade e das regras de trânsito, e sobrecarregam as infraestruturas que utilizam. O ponto de partida será, em todo o caso, a mobilidade quotidiana e a forma como a série de processos mencionados nas linhas anteriores se materializa e toma forma, condicionando o acesso e a exclusão de serviços e oportunidades por parte de diferentes grupos. Desta forma, além de atender à dimensão econômica, política e logística dos diferentes sistemas de mobilidade que são comparados, o painel tem como objetivo analisar e discutir o conjunto da mobilidade urbana em diferentes cidades e a forma como vários grupos são incorporados a ela e, assim, ver certos direitos garantidos ou negados. Este simpósio orienta-se como uma contribuição para uma antropologia de infraestruturas e modelos de mobilidade (Sheller & Urry, 2006; Urry, 2006; Grieco & Urry, 2011; Salazar & Jayaram, 2016), no qual foi mostrado como os sistemas de deslocamento urbano articulam narrativas sobre globalização e promessas de futuro e conectividade, mas também materialidades específicas e tangíveis em tempos e espaços particulares. Tudo isto no quadro do que é reconhecido como o (novo) paradigma da mobilidade (Urry, 2006; Sheller & Urry, 2006; Grieco & Urry, 2011; Salazar, N. & Jayaram, K. 2016), que nos permite situar infraestruturas, instituições e planeamento específicos, e as relações materiais e sociais que implicam, ligando-os a diferentes áreas e escalas – materialidade e subjetividades; Estado e sociedade; capitalismo global e contextos locais; ações em matéria de infraestruturas e condições quotidianas de existência – sem descurar a forma como os planos e projetos de planeamento de viagens urbanas são frequentemente sobrecarregados por usos, necessidades, dotações e alternativas imprevistos.

Bibliografia

Beck, K.; Klaeger, G. & Stasik, M. (2017) The making of the african road. Boston: Brill.
Dalakoglou, D. & Harvey, P. (2012). « Roads and Anthropology: Ethnographic Perspectives on Space, Time and (Im)mobility ». Mobilities, 7 (4): 459-465.
Dalkoglou, D. (2017) The road. An ethnography of (im)mobility, space, and cross-border infrastructures in the Balkans. Manchester U.P.
Grieco, M. & Urry, J. (2011). [Eds.] Mobilities: new perspectives on transport and society. Routledge.
Harvey, P. & Knox, H. (2015). Roads. An anthropology of infrastructure and expertise. Cornell University Press.
Horta, G. i Malet, D. (2014) Hiace. Antropología de las carreteras en la isla de Santiago (Cap Verd). Pol·len.
Kenney, M., & Zysman, J. (2016). The rise of the platform economy. Issues in science and technology, 32(3), 61.
Melnik, Amiel Bize, (2018) Black Spots: Roads and Risk in Rural Kenya. Columbia U. Ph.D
Rogers, B. (2016). « Employment rights in the platform economy: Getting back to basics. ». Harv. L. & Pol’y Rev., 10, 479.
Rouillard, D. [Dir.] (2009). Imaginaires d’infrastructure. L’Harmattan.
Salazar, N. i Jayaram, K., Eds. (2016). Keywords of Mobility. Critical Engagements, Bergham Books.
Sheller, M. i Urry, J. (2006). “The new mobilities paradigm”. Environment and Planning, 38 (2): 207-226.
Urry, J. (2006). Mobilities. Cambridge-Malden, M. A.: Polity Press.