17. Respostas africanas ao multilinguismo em África: desafios, desafios e oportunidades

Sandra Schlumpf-Thurnherr
Universität Basel, Suiza
Théophile Ambadiang Omengele
Universidad Autónoma de Madrid, España


MULTILINGUALISMO EM ÁFRICA: REALIDADES, DESAFIOS E OPORTUNIDADES O multilinguismo em África é dinâmico e diversificado. Varia entre regiões e países, zonas rurais e centros urbanos, comunidades étnicas e linguísticas, e entre gerações.
As migrações (trans)nacionais e as situações de contacto linguístico múltiplo aumentam a complexidade das realidades multilingues. Neste painel, é possível estudar o modo como se estabelecem as normas comunicativas que afectam os códigos co-presentes (línguas francas, línguas veiculares, códigos urbanos, etc.), os fenómenos de contacto e de code-switching, bem como o papel das línguas em termos de indexicalidade social e de “eficácia comunicativa” (Ambadiang 2003). É interessante refletir, a partir da teoria e da prática, sobre as múltiplas dimensões do multilinguismo africano que podem ser interpretadas em termos de escala ou de âmbito, bem como em termos de adaptabilidade geral, considerada comum aos africanos, e da utilização de línguas específicas em situações específicas (Fardon e Furniss 1993).


REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS Com base no exposto, podemos refletir sobre propostas analíticas recentes que se articulam em torno de conceitos como repertórios linguísticos (Lüpke & Storch 2013), práticas translíngues (García & Wei 2014), racialização linguística, (des)invenção da língua (Makoni & Pennycook 2007), provincialização da língua (Canut 2021). O multilinguismo africano também pode ser abordado através da gestão das línguas no espaço público, nos meios de comunicação social e nas redes sociais. Isto coloca o foco no espaço local e nos falantes como agentes situados da sua própria atividade comunicativa, o que também se traduz no planeamento linguístico a nível subestatal (cf. grupos de discussão da W’App sobre questões linguísticas entre falantes leigos). O objetivo seria mostrar a necessidade de estudos centrados no local, incluindo abordagens etnográficas (Esene Agwara 2020), e adaptar as teorias, ferramentas e metodologias linguísticas às especificidades africanas (Mufwene 2020) e talvez mesmo repensá-las.


POLÍTICAS LINGUÍSTICAS E HERANÇAS INTERLINGUÍSTICAS Quando várias línguas coexistem num mesmo espaço, é muito provável que a sua relação seja condicionada por relações de poder, associadas a divergências de estatuto, reconhecimento e prestígio (Bolekia Boleká 2001; Mufwene 2020; Schlumpf 2024). Em particular, as assimetrias linguísticas materializam-se quando as línguas oficiais são confrontadas com as línguas não oficiais e entre as línguas europeias/(ex)coloniais e as línguas indígenas. No entanto, a posição, os usos e as funções de cada língua variam de acordo com as circunstâncias comunicativas específicas (Band 2020).
Recentemente, a ausência generalizada das línguas africanas nas políticas linguísticas de muitos países tem sido discutida como resultado de hegemonias históricas e ideologias eurocêntricas (Bamgbose 2000; Dambala Jillo et al. 2020). É questionável se ainda é válido utilizar o multilinguismo das sociedades africanas como argumento contra o estatuto oficial das línguas indígenas em detrimento das línguas europeias como alternativas unificadoras (Zeleza 2006: 20). Seria oportuno refletir sobre novas políticas linguísticas que sejam menos monolingues e hegemónicas, políticas linguísticas da base para o topo (Webb 2009) e a necessidade (ou não) de introduzir as línguas africanas nos sistemas educativos. Para além de estarem ligadas à cultura, muitas destas questões estão ligadas à identidade colectiva e à sua relação com a identidade individual, dando origem a um repensar da relevância da unidade linguística para uma nação.


LÍNGUAS EM ÁFRICA E EUROCENTRISMO Entendemos por eurocentrismo uma atitude que faz da Europa o centro de uma visão do mundo e a coloca no topo de uma hierarquia em que o “outro” geográfico e cultural aparece como subordinado ou inferior (Wintle 2021). Em termos linguísticos, isto significa que as línguas europeias são consideradas superiores às línguas africanas, o que se verifica no nacionalismo linguístico da era colonial e encontra alguma continuidade, em tempos de globalização, no imperialismo linguístico.
De um ponto de vista teórico, seria interessante refletir sobre os discursos contra-hegemónicos, que, involuntariamente e muitas vezes sem nos apercebermos, podem reproduzir ideias essenciais sobre as línguas e a sua relação com a identidade e a cultura. A um outro nível, o eurocentrismo também predomina na linguística, no sentido em que conceitos, teorias e terminologias criados no Ocidente são utilizados para descrever realidades sociolinguísticas estrangeiras (línguas maternas, dialectos, falante nativo, bilinguismo, etc.).
Finalmente, o eurocentrismo também se observa na designação de áreas linguísticas (por exemplo, África francófona) e na filiação de línguas crioulas (por exemplo, fá d’ambô na Guiné Equatorial como crioulo de base portuguesa) (Mufwene 2020: 293).


IDEOLOGIAS LINGUÍSTICAS E RELAÇÕES ENTRE LÍNGUA E IDENTIDADE Em contextos multi-étnicos, criam-se relações complexas entre línguas, identidades e afiliações étnicas. A necessidade de comunicar e a preocupação de manter e/ou tornar visível a sua própria cultura e identidade nem sempre coincidem; podem conduzir a circunstâncias contraditórias e exigir uma “consciência intercultural” (Ambadiang 2003). As ideologias, as atitudes e as representações linguísticas influenciam a utilização, a valorização e a transmissão intergeracional das línguas. Em particular, as línguas de herança ou indígenas, mesmo que não tenham estatuto oficial ou não sirvam para a comunicação suprarregional, são elementos cruciais das identidades individuais e colectivas (Bituga-Nchama & Nvé-Ndumu 2021; Cobbinah 2020).
A identidade cultural de um povo reflecte-se também na sua produção literária. Fora da África de língua árabe, as literaturas em línguas exógenas continuam a predominar, apesar de não serem as línguas maternas da maioria da população (Zeleza 2006). No entanto, há também apelos a literaturas africanas em línguas africanas (cf. Ngugi wa Thiong’o 1986). A este respeito, comparar os esforços das comunidades linguísticas para tornar as suas línguas visíveis com a plasticidade comunicativa (multilingue) que caracteriza os seus membros pode ajudar a aperfeiçoar o estudo das condicionantes necessariamente situadas destas atitudes, que podem ser ideológicas, tecnológicas (acesso à escrita e à difusão), mas também simbólicas e económicas (a língua como capital).

Bibliografia

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