Ao longo das últimas décadas, foram articuladas nos circuitos político-mediáticos e académicos várias narrativas explicativas dos conflitos armados africanos (etnicidade, “maldição dos recursos”, “Estados falhados”, terrorismo internacional, extremismo violento, etc.) que enquadraram e orientaram certas políticas internacionais de consolidação da paz e deram origem a um rico debate teórico sobre as causas da violência política armada na região. No entanto, estas visões, muitas vezes predominantes nos meios políticos, mediáticos e mesmo académicos, têm contribuído, no caso da compreensão dos conflitos, para a construção de um imaginário que entende a guerra em África como um fenómeno intrínseco às sociedades africanas, aos seus “costumes”, identidades, lutas por recursos e poder em cenários sempre instáveis e propensos ao uso da violência como forma de resolução dos seus conflitos. Severine Autesserre (2012) denuncia que estas narrativas têm sido tremendamente perniciosas porque, por um lado, têm impedido a compreensão da complexidade do fenómeno, da sua origem e dos seus desdobramentos em cada país africano, e, por outro, porque têm promovido um tipo particular de “solução” nas políticas internacionais de peacebuilding que, muitas vezes, acabaram por ser prejudiciais, contraproducentes e incapazes de contribuir para transformar as causas da violência ou alcançar uma paz positiva (Galtung, 1964) que aborde os problemas sociais, políticos ou económicos subjacentes. Estas “soluções” têm seguido o continuum histórico de uma suposta missão civilizadora em que a África é entendida como um espaço a ser “modernizado” e “salvo” da sua própria natureza.
Por esta razão, a literatura crítica que tem analisado a conflitualidade africana nas últimas décadas tem sublinhado a necessidade de ultrapassar estas interpretações, propondo-se compreender a guerra em África como um fenómeno extremamente complexo, multicausal, multi-ator e multidimensional, que exige também propostas de construção da paz que ultrapassem o modelo de paz liberal dominante e coloquem no centro as necessidades e agendas locais. A partir desta abordagem, este painel propõe-se analisar o fenómeno da guerra e da paz na África Subsariana, reflectindo sobre os instrumentos analíticos mais adequados para compreender as causas, a natureza, as consequências e os impactos dos conflitos armados, bem como analisar as diferentes políticas e actividades que, a diferentes níveis, estão a ser desenvolvidas nos esforços de construção da paz no continente.
Especificamente, procuramos, entre outros, estudos de caso que introduzam novas reflexões sobre aspectos pouco estudados de um cenário (e/ou episódio) de conflito armado e/ou da(s) agenda(s) de construção da paz, tais como, entre muitos outros: o papel do conflito de capitais contra o tecido da vida, a dimensão de género da guerra ou da paz, os desafios para a consecução de uma paz legítima, justa, ecofeminista e sustentável, os conhecimentos e práticas indígenas de construção da paz, etc. São também bem-vindos trabalhos que se centrem em abordagens críticas (feministas, descoloniais, etc.) aos debates teóricos actuais em torno dos conflitos armados em África, às transformações actuais na agenda global da paz ou às controvérsias académicas em torno dos modelos de paz prevalecentes ou das diferentes soluções propostas para construir a paz.