Historicamente o poder público na cidade do Rio de Janeiro apagou traços da presença negra e raras vezes essa presença foi demarcada como patrimônio, embora mais de 50% da população brasileira se declare negra ou parda. No que se refere ao patrimônio material, contudo, são pouquíssimas as iniciativas – nos anos 80 a construção do Monumento Zumbi dos Palmares (herói da resistência negra do século XVII, no período do Brasil colonial) e a proteção legal da Pedra do Sal (em 1986), e muito recentemente do prédio das Docas André Rebouças e, especialmente, o reconhecimento da presença do Cemitério dos Pretos Novos e do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo – todos localizados na região portuária da cidade, também chamada de Pequena África. Rio de Janeiro seria patrimônio da diáspora negra?
Esta comunicação analisa ações dirigidas à afirmação da herança negra por meio de políticas de patrimônio na cidade do Rio de Janeiro, a fim de verificar os valores que prevalecem em cada situação, identificando os diferentes paradigmas que tensionam o campo do patrimônio. O patrimônio como um conceito-ação – está sempre em movimento, e com o verbo patrimonializar é capaz de promover colonizações e decolonizações.
Nesse ponto, o foco principal será no Sítio Arqueológico do Cais do Valongo, por onde ingressaram milhares de africanos escravizados, no século XIX, e tornou-se Patrimônio Mundial como sítio de memória sensível, em 2017, como base no paradigma do patrimônio como direito, que se processa como meio de reparação histórica, no campo das lutas de memória. A força dessas materialidades revela-se na sensibilidade das falas potentes de pessoas afrodescendentes entrevistadas.
Patrimônio Mundial e a herança negra no Rio de Janeiro: tensões entre paradigmas e valores em disputa
Marcia Chuva