A casa como espaço de identidade e resistência: práticas alimentares de famílias migrantes cabo-verdianas

A partir do meu trabalho de campo para o doutoramento em antropologia, sobre consumos alimentares de famílias migrantes cabo-verdianas que residem/residiam nos bairros de auto-construção da Cova da Moura e 6 de Maio (hoje demolido) e no bairro de realojamento do Zambujal, esta proposta procura debater como o espaço habitado facilita ou dificulta a manutenção de hábitos alimentares trazidos da origem e de que modo estes podem ser entendidos como formas de resistência.

Tendo com pano de fundo o texto de bell hooks, “Constituir o lar: um espaço de resistência”, proponho discutir a relação entre a casa e consumos alimentares e como actuam como formas de resistência na manutenção de práticas que viajaram desde a origem.

A preservação de modos de fazer, assim como o consumo de alimentos simbólicos (milho, feijão, pastéis de milho, cachupa, grogue, entre outros) desempenham um papel crucial para estas famílias, permitindo a recriação de um sentido de “casa” no contexto migratório. Apesar da adaptação a novos hábitos alimentares entendidos como “portugueses”, a “saudade da kumida di téra”, as memórias de infância e juventude ligadas a estes consumos permanecem em várias narrativas, estabelecendo-se diferentes posições “cá” (Portugal), “lá” (Cabo Verde) e um “entre” estes dois lugares.

Dessa forma, o cultivo, a compra, preparação e degustação de alimentos identificados como cabo-verdianos/africanos devem ser compreendidos como práticas que vão além da mera satisfação biológica. As práticas alimentares que foram mantidas ou abandonadas, os utensílios de cozinha introduzidos ou abandonados, os novos alimentos e os que continuam a viajar informalmente são dinâmicas que podem ser relacionadas com o lugar que se habita.

Para as famílias com quem trabalhei, as práticas alimentares que trazidas de Cabo Verde representam vínculos de identidade, pertença, memória, afectividade, conforto, mas também uma forma de resistência.

Tracing the lives and afterlives of cars in development aid projects in Mozambique’s health sector

Vehicles are a staple of the ‘international development aid project’. A basic logistical need, allowing for the movement of project staff and materials, the white, logo-branded SUV is often one of the first items procured by ‘the project’ and has become a symbol of the ‘aidworld’ (Smirl 2008, 2015). In some sectors, such as health or disaster relief, transport and logistics are considered an integral and essential part of the system or mission. In rural Africa settings, for example, where healthcare systems operate in vast geographical areas with challenging terrain, scattered healthcare centres and poor road infrastructure, transport is a key enabler of healthcare provision (Beale, Mashiri, and Chakwizira 2014).
Nonetheless, while donating cars is a common fixture of health system support provided by international donors, transport management interventions are not a donor nor health system administrator priorities, and often face resistance from local actors. For this or other reasons, car remains in various states of decay are a familiar sight to those who visit healthcare facilities in Mozambique, where the health sector, damaged after the civil war and struggling with HIV/AIDS since the 1990s, has been central to international donor support in the past two to three decades (Garrido 2020).
What can a dusty minibus with flat tires or the half-destroyed body of an old ambulance repurposed as a shed in a hospital compound tell us about past and current donor interventions in that site, about the politics of aid, and about the dreams of the Mozambican state for the health sector? Which creative methods, such as object biography or visual ethnography, are best suited to study car ruins as traces of past development projects? This paper proposes a methodology to investigate health sector support interventions across several sites in Mozambique, with car remains as the starting point.

ALFABETIZAÇÃO E MULTILETRAMENTOS DE ESTUDANTES VENEZUELANOS: O BILINGUISMO NAS ESCOLAS PÚBLICAS DO DISTRITO FEDERAL

O estudo contempla trabalho desenvolvido em escolas públicas da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal com estudantes venezuelanos migrantes e refugiados. O trabalho traz percepções, reflexões e, quiçá, contribuições para o ensino Português Brasileiro para esse público. O referencial teórico utilizado contempla a questão do bilinguismo nas escolas brasileiras e os multiletramentos, correlacionando-os a pressupostos do pensamento decolonial. O objetivo é conhecer as necessidades, os desafios e as estratégias pedagógicas utilizadas pelos professores para o atendimento a esses educandos. Para o levantamento de dados, aplicamos questionário eletrônico a professores alfabetizadores, de língua portuguesa e de língua espanhola. Os dados parciais indicaram que a convivência com crianças e jovens migrantes proporciona à comunidade escolar o contato com diferentes línguas, costumes e culturas. Em relação aos desafios, os professores apontaram que a maioria dos estudantes imigrantes e refugiados apresentam dificuldade na interação com professores e colegas de classe, na compreensão dos conteúdos trabalhados e na realização de atividades e avaliações. Com base nas informações levantadas, desenvolvemos atividades pedagógicas de língua portuguesa para estudantes imigrantes e refugiados com ênfase nos multiletramentos e em diálogo com a perspectiva decolonial. O objetivo é contribuir para a aprendizagem significativa que considera a diversidade linguística e o respeito, proporcionando a esses sujeitos a inserção e a participação efetiva e crítica na sociedade brasileira. As referências básicas para este estudo, entre outras, são Rojo (2009, 2015), Soares (2009), Walsh (2019) e Weinreich (1970).

Eco(s), em Luís Carlos Patraquim

Luís Carlos Patraquim faz parte de uma geração de poetas moçambicanos que de acordo com Ana Mafalda Leite reinventaram posições das “linguagens poéticas anteriores” (Leite, 1985, p. 5). Sua primeira publicação data de 1980, na estreia de uma obra paradigmática, mas no entanto pouco discutida no cenário da literatura moçambicana. Monção (1980), nesse sentido, estabelece o preenchimento de um vazio instituído desde a publicação da obra A Ilha de Próspero de 1972, de Rui Knopfli, no que tange a inscrição de itinerários poéticos voltados à proposição de “paisagens húmidas” (Patraquim, 1980) e, sobretudo, de cartografias marítimas ancoradas pela presença do Oceano Índico e da Ilha de Moçambique. Paralelamente, as obras posteriores de Luís Carlos Patraquim, A Inadiável Viagem (1985), e Vinte e tal Novas Formulações e uma Elegia Carnívora (1991), revelam-se como exemplos de um projeto literário que pretende reintegrar um conjunto de vozes poéticas e culturais nas “formulações” de um “eu” em constante movimento, e, sobretudo, na acepção e no questionamento de uma “nova” linguagem poética. Isso se estabelece por um jogo intertextual e metaliterário, no qual Patraquim é entendido como o “intérprete de um legado” (Leite, 1991). Desse modo, esta comunicação pretende abordar a ideia de “Eco(s)” em Luís Carlos Patraquim, defendendo o fato de que a poesia do autor é composta dialeticamente por uma pulsão ecológica que pauta o seu projeto literário por meio de cartografias aquáticas ou ainda “sem limites” (Patraquim, 1980), e sobretudo, por uma tarefa de (re)inventar a linguagem por meio de encontros afetivos entre os sujeitos líricos, as “paisagens húmidas”, e a sistematização de gerações poéticas moçambicanas que (re)interpretam o passado literário. Eco(s), em Luís Carlos Patraquim – adquire uma dimensão de cunho conceitual e estético, abordando as devidas articulações entre poesia e ecocrítica, ou literatura e ecologia.

Continuation over rupture: Bobi Wine and the way of doing politics in Uganda

In this paper, I argue that the emergence of Bobi Wine in Ugandan politics has not altered but rather solidified a rooted political culture based on the individualisation of politics and the weakening of the party system.

To understand what happened at the 2021 elections the paper traces to the history of Uganda back to 1986 when Yoweri Museveni arrived in power. In 1997, Museveni promoted the Movement Act by which all individuals could be members of the united Movement he commanded. By sustaining his regime under a movement and system and not as a political party, Museveni eliminated any ideological stances associated with the NRM as it included all types of peoples and thoughts. This is important to understand the personalization of politics and the weakness of parties as institutions.

Wine has promoted a continuation of a personalisation of politics rooted in a no-party system by creating the People Power movement in 2018. Instead of formalizing his contestation against Museveni in the form of a political party, the musician decided to create a platform to mobilise all types of electorate behind him.

This paper contributes to the literature on opposition movements, their relation with long-lasting incumbent regimes and electoral cycles across Africa. Looking forward, there is scope to build upon this research and others to understand how the next 2026 Ugandan presidential elections may develop. For now, Museveni's son Muhoozi Kaingureba's uprising political platform suggest a future contest with Wine will be laid in the same personalised standards away from the classical party system.

I ultimately conclude that this personalisation hinders the mechanisms of democracies and helps powerful leaders to stay in government over their limits by placing influence and power solely in themselves as individuals who lead a broad-based movement.