No contexto colonial africano, o Direito e o Estado modernos europeus foram instrumentos usados para impor ao escravizado e ao colonizado um monismo jurídico e político que visa o encobrimento e a subalternização da pluralidade de ordens jurídicas, políticas, culturais, religiosas e económicas, que eles transportaram para as ilhas. Estando na base da sociedade escravocrata, esse Direito e Estado hegemónicos, por um lado, contribuíram para o afastamento do contato com outras formas de organização jurídica e política do continente e, por outro lado, à resistência e recriação da herança afro-negra em formas sub-reptícias de gestão e resolução de conflitos político-jurídicos nas localidades. Este painel pretende analisar e desafiar as continuidades coloniais e eurocêntricas no Direito e na Justiça africanas a seguir à independência num contexto marcado por inúmeros desafios à segurança, bem como discutir propostas jurídicas, sociais e políticas alternativas baseadas em trabalhos com sustentação teórica e/ou empírica. Para além de abordagem contra-colonial e da contra-colonialidade, apresentam-se visões jurídicas, sociológicas, antropológicas e criminológicas que repensem as abordagens e metodologias tradicionais de modo a se poder ampliar o horizonte das constelações jurídicas e políticas, quais sejam nos campos da justiça comunitária, justiça colaborativa, justiça restaurativa e de outras latitudes não reconhecidas da pluralidade jurídica e política africana.
19. As Continuidades Coloniais na Justiça, nos Estudos Criminológicos e no Direito em África: Olhares Cruzados.
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