A violência cínica do colonialismo: uma análise do discurso colonial

Felipe Paiva

Em 1918 o Império Britânico publicou o "Report on the natives of South-West Africa and their treatment by Germany", obra que passou a ser conhecida simplesmente por Blue Book, material narrativo e documental que pretendia denunciar a chacina colonial germânica na atual Namíbia. Um ano depois, o Estado alemão publicou a sua réplica, na brochura intitulada "The Treatment of native and other populations in the Colonial Possessions of Germany and England an Answer to The English Blue Book of August 1918", documento cuja intenção era a de colocar a nu as violências cometidas pelos ingleses em suas colônias africanas e asiáticas. Esta comunicação pretende fundamentar uma reflexão sobre esse fato aparente simples, mas ainda não completamente interrogado: a denúncia de uma metrópole por outra praticante dos mesmos vícios.

Portanto, pretende-se compreender o imperialismo contemporâneo a partir de uma visão renovada da crítica do discurso colonial. De fato, na última década tem se consolidado a ideia de que é no passado colonial que residem os germes dos mais agudos episódios de violência e intolerância do século XIX e XX, incluídos os campos de concentração e a prática industrial da morte. Trata-se de analisar detalhadamente as denúncias geradas por Estados europeus às práticas imperiais de seus concorrentes mais próximos. Não era incomum que agentes imperiais utilizassem de sua influência nas diversas esferas da vida pública para compor relatórios de denúncia a respeito de excessos cometidos por rivais, procurando com isso deslegitimar a prática colonial alheia, ao mesmo tempo em que se propalava a suposta boa conduta de seu próprio projeto colonial. Longe alinharem-se a uma postura crítica, esses relatórios eram tão somente tentativas de dissimular diferenças entre as metrópoles coloniais em nome de um suposto humanitarismo. A esse tipo de fenômeno o autor conceitua por "cinismo imperial".